Ouço do outro lado do fio,
ou sem, que a modernidade já não trás nada atrás,
e na tua voz de princesa clamas,
na urgência da brincadeira que te chama,
“Bom ano, avô”.
E a lágrima que sustenta esta emoção,
de te ouvir de tão longe assim,
pertinho do meu coração,
responde de prontidão,
com o salgado da água que a compõe.
E ali fico querendo falar,
sem conseguir articular mais do que a resposta.
Choram os olhos, sorri a alma,
e, desaustinado, o coração palpita, bate forte,
solta-se em galope acelerado,
nas saudades que de vós sinto.
Bom ano, princesas da minha vida.
A acabar sem glória e muita tristeza,
a terminar em agonia extrema,
para quantos o tiveram de suportar,
o ano que está a findar,
não deixa saudades,
não deixa aspirações,
mas revelou o pior que os homens têm,
a facilidade com que se apelida de governo,
uma coisa que mais não faz que sacar,
raspar os tachos todos,
onde ainda restar uma moedinha para levar.
Deixa-nos sim, a vontade de mudar,
de correr com gente que só se assemelha a tal,
porque anda de pé sobre dois pés,
e que bem ficariam se fossem rastejantes.
É assim que te quero, viva,
na loucura das tuas loucuras,
e que venhas como estás,
nua, das vestes mundanas,
nua da alma grande que te habita,
vem nua, e despe-me,
com esses olhos açambarcadores,
com essas mãos ávidas do que esperas encontrar,
vem assim mesmo,
sem máscaras ou outras coisas,
que te escondam o rosto,
que te cubram o corpo,
vem e enlouquece-me,
que eu farei o mesmo,
e dessa loucura, talvez,
venha a sanidade do mundo.
Tu que trabalhas quando todos dormem,
e que suportas o frio e a chuva,
rasgando as madrugadas da cidade,
pendurado pelas mãos gretadas,
nas máquinas barulhentas da noite,
sentes a tua vida passar pelo lixo dos outros.
A ti que vituperam quando na rua,
se amontoam os sacos do lixo,
de quem não quer maus cheiros em casa,
mas não se preocupa de o despejar na rua,
és tão humano como todos,
e lutas pelos teus direitos como todos deviam fazer.
Já vi igual, não aqui mas mesmo ao lado,
e na maior cidade de Espanha,
ninguém te mandou comer o lixo que faz e que tu apanhas,
para que quem te insulta viva cheirosa e airosa,
com o trabalho que não quer fazer,
mas que exige que tu o faças sem reclamar.
Sentado, aguardando também,
passa por mim engalanada,
um olhar distante,
na procura do que espera já estar perto.
Na cabeça umas hastes de rena,
vermelhas vivas sobre bandolete verde,
no olhar o vazio de quem o espera encher,
das saudades acumuladas,
e as hastes na cabeça,
não são mais que um sinal,
para mais fácil reconhecimento,
de quem vem preencher o olhar vazio e distante.
Sinto-o no corpo,
empurra-me para o chão,
arrasta-me na lama da vida,
viro-me e reviro-me,
não consigo a separação,
e aperta-me o coração.
Tento em vão libertar-me,
desta tensão que me causa dor,
uma sensação de incapacidade,
porque não liberto a mente,
para pensamentos mais elevados.
E se um dia acontecer, olhar o céu e ver estrelas,
senti-las tão próximas,
que só o olhar nos acelera o coração.
E se um dia acontecer, esticar uma mão para o céu,
sentir que a ponta dos dedos,
tocam a superfície da lua e,
sentem o enrugado das suas montanhas.
E se um dia acontecer, sentir a alma cheia de luz,
tão intensa que não saiba justificar,
um coração tão grande que não me caiba no peito.
Se um dia acontecer,
saberei que sou uma pessoa com sorte,
não que me saia a lotaria, mas porque sou feliz.
Já vi as estrelas e senti a lua,
não me saiu a lotaria mas sou feliz.
No meu horizonte,
que é curto,
perpassa um mundo,
que nunca conheci.
No viajado,
que é mais curto que gostaria,
atravessa-me a gratidão,
pelo conhecimento adquirido,
de tanta coisa diferente,
num mundo igual mas diferente.
Somos todos iguais,
somos todos diferentes,
e nesta mistura de diferenças iguais,
se faz um mundo que se quer habitável.
Da secretária onde me sento,
vou escrevendo o que pela cabeça me perpassa,
e de quando em vez,
levanto a cabeça, fixo os olhos na distância,
através da janela envidraçada,
que abre ao mundo estas quatro paredes,
e mais à frente sinto o azul de um céu que,
ora desaba em fortes bátegas de água,
ora transparece de uma luminosidade de espanto.
Este é o céu desta Lisboa que aprendi a amar,
de que passei a gostar como se dela nunca me tivesse separado,
e que será, sem dúvida, o tecto que me albergará,
para a eternidade que me espera.
Desceu à doca,
percorreu o finger,
aproximou-se do sonho,
deu umas passadas à sua volta,
apreciou-o como nunca o tinha feito.
De repente bateu-lhe uma saudade,
daquele objecto de prazer ainda presente,
mas a quem estava prestes a dar asas.
Levantar ferro, na linguagem adequada,
para outras paragens,
para outros corações,
para outros sonhos.
Que lindo ele estava ali,
Ao sol dourado do início de dia,
brilhava como nunca e mantinha-se irrequieto,
como sempre, ao sabor das pequenas ondas,
não fora os cabos que o prendiam em amarração,
estava certo partiria desenfreado por aquelas aguas,
galgando ondas, fazendo bordos,
e a 45º de inclinação, atingiria o sumo do prazer,
na velocidade estonteante que o vento lhe permitia.
Correu-lhe as mãos sobre o casco,
afagou-o tanto como pode,
despedia-me antecipadamente e,
se não fosse a chuva caída na véspera,
diria que também ele deitou uma lágrima.
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