Nos teus olhos eu vi o mundo,
neles senti a imensidão do deserto,
exprimiam-se com a força dos ventos,
e deles tomei o sabor das marés,
cheiravas a espuma do mar,
acabada de rolar na areia.
Quando sorriste,
senti o calor dos verões abrasadores,
e uma brisa suave,
cheirando às flores silvestres, como tu serás,
encheu minhas narinas.
Nos teus olhos escuros vi a esperança,
neles encontrei a vida,
descortinei um carinho sem igual,
senti o forte bater do coração,
com eles desfiz-me em pedaços de amor.
E assim,
julgando ser o único,
que não mudava,
que não prestava,
face aos actuais padrões,
ainda mantinha princípios,
que para nada já contavam,
deixei-me desvanecer nesta dúvida,
que de existencial nada tinha,
mas que significava a nova existência.
Depois, conheci outros,
com os mesmos sintomas,
sofrendo com os mesmos padrões,
concluí que não estava só.
O complexo universo onde nos movemos,
tem estrelas em ascensão,
que para melhor brilharem,
têm de ofuscar as existentes.
Quando se apura que o culpado de um acidente,
é um cavalo, muito fica por dizer,
e a dúvida que se instala é a determinação,
de qual dos animais é o quadrúpede,
se o que vive em liberdade na natureza,
se o que monta vários em simultâneo,
não respeitando a regra mais importante da condução,
ainda que não mandatória, mas escrita também,
a regra da prudência, a regra da vida.
Depois alegam os detentores de poderosas máquinas,
que se deve aumentar a velocidade nas estradas,
que as máquinas são cada vez mais seguras,
e o que vemos na maioria dos casos,
é que são essas mesmas máquinas super seguras,
que causam os piores acidentes e perguntamos,
aumentar a velocidade para quê? Se mesmo assim é o que vemos,
morte, destruição, desgraça e tristeza.
Cocei-te o queixo e desataste a rir,
na face rosada despontou um brilhante sorriso,
e os teus pequenos olhinhos riram,
um riso para mim, e logo ali me emocionei.
Aquilo era mais que um sorriso,
era já uma promessa, um desafio futuro,
um sorriso matreiro que me desafiava,
vai ser malandreca, já não tenho dúvidas,
e do seu cantinho já mostrava que o ia ser,
mesmo assim, adorável princesa.
Um lençol de água,
estendeu-se do céu à terra,
e caia sem parar, copiosa.
O choro do céu sobre a terra.
E ela absorvia tanta água quanto podia,
mas a sua capacidade era limitada,
transbordou, inundou tudo ao redor,
arrastou o que encontrou pelo caminho.
Quando o céu se cansou, parou,
achando que era o suficiente,
para lavar a alma desta cidade.
E nesta noite de Natal abençoado,
O céu brilhou mais que nunca,
a cidade apareceu com um ar de limpeza,
as luzes eram mais nítidas,
até as folhas desapareceram das ruas.
O choro do céu sobre a terra,
a limpeza da alma de Lisboa.
De todos os que por mim passaram,
nada tenho a comentar de negativo,
todos deixaram marca.
Se uns eram mais assertivos, irrequietos ou distraídos,
outros havia que mantinham uma atenção, aterrorizadora para mim.
Não podia falhar, não podia enganar-me,
e quantas vezes me aconteceu.
Quisera eu que a todos eles,
pudesse ter passado alguma coisa do que ensinava,
e acredito piamente, que nunca foi tanto como com eles aprendi.
Na sala só havia alunos,
todos aprendiam alguma coisa com uns e com outros,
eu sempre fui privilegiado, reconheço,
por ter lidado com mentes tão generosas,
abertas, curiosas e interessadas,
jovens ou menos jovens, todos alunos,
e em todos encontrei parte do conhecimento,
que eles próprios me passaram,
e eu, reconhecido lhes agradeço.
Podem simples ou complexos,
fáceis ou rebuscados,
os prazeres dependem de quem os sente,
mas também de quem os desperta.
O que nos dá realmente prazer,
pode ser simplesmente,
tão simples e prazenteiro,
como um almoço numa esplanada,
uma taça de vinho branco, gelada,
e um peixinho grelhado no prato,
mesmo que a mulher na mesa ao lado,
seja a personificação da miss qualquer coisa.
O prazer tem horas, tem momentos,
e nessa altura, a alma sente,
o prazer que o corpo deseja.
Percorri a cidade,
segui a estrela,
ziguezagueei pelas ruelas e,
finalmente encontrei-a lá para os lados de Belém,
mesmo junto à famosa torre.
Com surpresa e apesar da intensa busca a que me propus,
não encontrei o Deus menino,
não encontrei Maria e nem sequer José.
Quase desiludido resolvi abandonar as buscas e o local,
quando de repente me lembrei que Belém podia não ser aqui,
podia não ser esta mas outra mais longe,
lá onde de facto nasceu o Menino,
rodeado pelos seus progenitores e até pelos animais.
Nesta Belém que visitei não encontrei nada,
mas é certo que os animais andavam por ali,
mas sem brilho, sem presépio.
A festa decorria normalmente,
as meninas saltavam e dançavam,
cada uma para seu lado,
que raras eram as que acertavam,
nos graciosos movimentos da professora.
A meu lado um casal,
também eles com uma menina na dança,
ela atenta à filha e aos seus movimentos,
ele atento ao filho de colo e às brincadeiras com ele.
Não evitei o meu curioso olhar, disparei-o na sua direcção e,
para dentro de mim cogitei, somos na verdade todos iguais.
Aquele casal, na sua diferença,
ela muito clara, quase nórdica,
ele decididamente africano,
as crianças, nem muito claras nem muito escuras,
estavam ali pelo meio naquela cor de futuro,
e o carinho que cada um proporcionava aos rebentos,
era digno de emocionar o mais empedernido,
somos na verdade diferentes, mas todos iguais.
O carro parou ao lado,
vidros fechados em ambos,
cabeças viradas e do outro lado veio um sorriso,
tão devastador que se diria abranger toda a face,
abriu-se o vidro do lado do passageiro,
e este manteve-se fechado,
quase uma palavra através daquela janela,
a acompanhar o sorriso ainda maior,
baixou a cabeça envergonhado,
elas estão mesmo assanhadas, pensou,
e quando ia abrir o seu vidro também,
para retribuir tamanho sorriso e,
quem sabe devolver a palavra que não veio,
abriu o sinal, o transito fluiu,
na estrada ficaram os sorrisos trocados,
talvez um fugaz momento desperdiçado,
um pai Natal fugaz numa época de boas intenções.
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