Quando pretendes dizer-me exactamente o contrário,
de tudo o que aos olhos me saltam,
isso é retórica,
quando tentas fazer valer a tua verdade,
contra toda a evidência,
isso é retórica,
quando me queres convencer,
que tens a razão em tudo o que dizes,
isso é retórica,
e eu nada vejo com o que tu argumentas,
e bem tento entender as tuas razões,
mas está a tornar-se muito difícil,
é que a tua retórica não passa disso,
retórica.
Diz-me porquê?
Se tens uma opinião que eu defendo como um direito,
porque não hás-de aceitar que tenha uma também?
Diferente, eu sei, mas é esta riqueza,
que nos transforma em seres pensantes,
com olhares diversos sobre o mesmo objecto,
com experiências distintas,
com vidas divergentes,
mas com o direito a exprimir cada um o seu.
Porque no dia em que acontecer,
que uma opinião se sobreponha a outra,
que tenha mais valor uma que outra,
ou que tenhamos todos a mesma,
então sim, temos a certeza que esse dia,
marcará inexoravelmente o retrocesso,
de mais de quarenta anos de que queremos fugir,
pelo menos os que ainda têm memória,
ou que dela façam uso para reescrever o futuro.
Não sei se estou aqui olhando o que não quero,
sei que procuro um olhar,
e se nessa procura o encontrar,
sei que não foi em vão o meu,
porque nesse momento em que as pálpebras,
ofuscadas se fecharem e abrirem,
foi encontrado o propósito da vida,
e nesse momento o amor fala mais alto.
Partilho das angústias,
de tantos que as sentem na pele,
de outros tantos que as receiam,
e vejo o mundo que à minha volta,
se transforma numa coisa inexplicável.
E o homem que deveria ser um ser racional,
movido pela paixão das causas que engrandecem o mundo,
recolhe-se ao rincão da nulidade traição,
e procura em cada momento sobrepor-se,
a todos os que o rodeiam sem a malícia do mal,
que se desenvolve em mentes retorcidas,
gabadas de universidades cursadas,
mas esquecida das correntes que à vida dão vida.
Sinto que viajo no tempo,
vogando sobre nuvens,
ora escuras e carregadas,
ora claras e calmas,
sou isso mesmo que me sinto,
um viajante de um tempo que não controlo,
um viajante sem passaporte,
que circula nesta atmosfera,
onde há tanto tráfego,
e eu já não pertenço a este sururu,
que me quebra a alma de penas por cumprir,
que me devasta o coração sem rumo.
Estou cansado, muito cansado,
de ver esta premente necessidade,
de colocar uma geração contra outra.
Estou cansado, muito cansado,
de ver justificar as faltas da próxima,
com as venturas da actual.
Estou cansado, muito cansado,
de ver que a origem deste choque,
que de gerações se quer criar,
tem origem onde não devia ser possível que acontecesse,
o governo de uma Nação que se queria culta e desenvolvida.
Estou cansado, muito cansado,
Porque sei que no que me toca,
no que ao meu alcance sempre esteve,
fiz os possíveis para que a próxima geração,
fosse e tivesse ainda melhor do que a anterior,
porque tenho filhos, porque respeito outros filhos.
Estou cansado, muito cansado,
porque afinal não contava com o imponderável,
uma classe política iníqua,
uma governação irresponsável,
um Estado aprisionado pelos grupos de interesse,
que afinal são os únicos responsáveis deste estado de coisas.
Estou cansado, muito cansado,
de ser o suporte de mais um dislate governativo,
de ser um bode expiatório da incapacidade política,
de quem há demasiado tempo vive principescamente,
à custa daqueles que agora quer condenar como responsáveis.
Estou cansado, estou mesmo cansado.
Quando te aconchego a estes braços,
cingindo-te ao peito apertado em soluços por soltar,
oiço junto ao meu, teu pequeno coração,
tiquetaque, tiquetaque, tiquetaque.
Dos meus olhos enevoados,
retiro o prazer de te olhar,
tu deitas-me a língua de fora e,
ao mesmo tempo,
iluminas-me com teu sorriso,
desfaleço de sensações que explicar não consigo,
e embalo-te nestes braços onde te acolho.
Sentado, olhando o rio,
A cidade cá em baixo,
Iluminada por um sol grandioso.
Linda esta cidade.
Se não fora os homens que a habitam,
Estaríamos certamente num paraíso terrestre.
A mais bela cidade de todas as cidades.
A minha cidade de Lisboa.
(Do livro "Tágide" - Lua de Marfim - 2013)
Senti o ruído da cabeça do fósforo,
raspou ao de leve na superfície áspera da caixa,
acendeu-se à velocidade da luz e dela fez iluminação,
aproximei-o com cautela da vela, virgem ainda,
que o aguardava, na serena pacatez da cera que a compunha,
ao seu pequeno pavio encostei a minha chama intensa,
acendi-o iluminou-se, contorceu-se um pouco,
mas a vibrante chama com que me mimoseou,
iluminou minha noite e estonteou-me a memória,
já não me lembrava como as velas acendiam,
como se contorciam os seus pavios,
mal o fogo intenso se lhes chegasse e as iluminasse,
mesmo que isso significasse queimar-lhes o pequeno pavio.
Quero tanto quanto queres tu também,
e se o meu querer é mais vistoso,
é porque no teu se esconde o decoro,
de um querer que vem com reticências.
O tempo que em ti ecoa,
esconde a essência do humano querer,
e o teu é como o meu,
urgente, sem demoras, sem restrições,
um querer de querer feito,
e eu quero-te e tu queres-me.
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