Queria escrever poesia e nada saia,
debrucei-me sobre o papel à minha frente,
tentei soltar palavras que se escondiam,
bem no fundo de minha alma,
mas não saiam, não queriam soltar-se.
Sobre a folha imaculada depus a caneta,
recostei-me na cadeira e olhei-os afastado,
só vi a brancura do papel, a negridão da caneta.
Desisti, não ia escrever nada, porque nada saia,
e quando me dedicava a tudo guardar,
num repente, inesperadamente,
surgindo na ponta de meus lábios,
eis que uma palavra, uma palavrinha só,
despoletou o enguiço e deslizou,
de dentro de mim para cima do papel.
Fluíram as palavras, nasceu o poema e escrevi,
até me doerem os dedos, sem parar, sem quase pensar,
deixei-me ir ao sabor de tantas letras, de palavras,
que quando se juntavam me encantavam.
Deixei-me ir ao encontro do poema.
Quando os copos se levantam,
e as cabeças se inclinam,
para nos lábios os receberem,
sobressaem os olhos,
brilhantes, sorridentes e,
satisfeitos pela companhia.
A algazarra dispara,
em alegres e divertidas conversas,
em recordações inesquecíveis,
em pura alegria,
que do reencontro se faz vida.
Vidas que a vida acumula,
e o tempo adoça com ternura.
Com olhos marcados pelo tempo,
curvados já pelo peso da vida,
e ainda assim rejuvenescidos,
pela amizade e camaradagem,
de tantos anos em comum.
Nem tudo foi fácil,
e rosas havia, com espinhos também,
mas no espaço que medeia,
o início e o meio da existência,
não há lugar a remorsos,
não há espaço para rancores,
e os olhares que se trocam,
são manifestações de carinho.
Olhares que a saudade vincula,
a corações despertos pelo encontro, que,
mensalmente os volta a juntar e,
renova a esperança do encontro que se segue.
Olhares marcados, sorrisos rasgados.
Não esperava encontrar-te,
passei por aqui ao acaso,
dou de caras contigo e gostei,
sabes como gosto de te ver,
mesmo sendo raras as vezes,
nunca deixas de me fazer sorrir o olhar.
Acho que isto é o destino,
dizem que é ele que escolhe os momentos,
e que bem que ele os sabe escolher,
pois este, por inesperado que é,
mais satisfação me dá, porque gosto de te ver,
e eu que, sem saber e querer,
passei por aqui para te ver.
Tenho fome, quero comer,
qualquer coisinha,
desde que tape este buraco,
mas quando olho a comida,
mesmo lembrando-me dos que nem a olham,
já nem me apetece, perco o apetite,
e no entanto tenho fome,
mas nem consigo comer,
inerte, é o meu estado,
ando por aqui,
e nem sei por onde.
Qual zumbi, sem orientação,
vou pairando sob estes escombros,
que já dificilmente se sustêm.
Bem olho à volta,
bem gostava de vos dizer,
bem queria orientar-vos,
mas não consigo.
É que noto que não há diferenças,
são todos iguais,
todos vendem um peixe que já fede,
e mesmo assim insistem,
tentam enganar-nos,
levar-nos à certa.
Comigo não contem,
não lhes darei esse prazer,
muito menos lhes darei o voto,
antes rasgá-lo, estropiá-lo, anulá-lo,
mas o voto? O que conta?
Esse não, não o darei,
porque não o merecem.
O que vos diga? Nem sei.
É tão restrito o meu mundo,
tão pequeno quanto eu sou,
e tão largo de dimensões, tão vasto de horizontes,
que por vezes me sinto a pensar,
que afinal me restrinjo a mim próprio,
na capacidade de verificar essa mesma restrição.
É tão restrito o meu mundo,
e afinal tão vasto que não consigo,
por mim só, alcançá-lo todo.
Apareceu atrás da noite fria,
despontou num horizonte já quase esquecido,
abriu o dia luminoso,
aqueceu a terra que pisamos,
secou as poças da tempestade,
o sol ergueu-se lá no alto,
bem visível para que todos, em uníssono,
sentissem a sua presença,
e brilhou com uma luz natural e tão intensa que,
com a rapidez de uma velocidade incrível,
nos fez esquecer os dias de trevas,
de chuva e temporal.
Brilhou e encantou,
criando esperança em dias melhores.
É louco o poeta, mas faz poesia,
das coisas mais dispares,
dos motivos mais estranhos,
da alegria ou da tristeza,
de momentos vividos,
ou mesmo dos que se imaginam.
Mas poesia? Poesia é isso tudo,
vem com a loucura do poeta,
e não é boa nem má, é poesia.
Mas que o poeta é louco, não tenho dúvidas,
senão como imaginaria tanta poesia,
no meio de tanta desgraça, de tristezas infindas?
É louco é, mas sofre de uma loucura sã.
Vogo agora sobre as águas calmas,
de um oceano ameno que,
há bem pouco se alterava,
formando vagas de tamanho assustador.
Tão depressa via o mundo do cimo das suas cristas,
como de imediato me sentia naufragado,
pela imensidão tormentosa da cava.
E no entanto, apesar dos perigos,
o amor por ele é incondicional, atrai-nos,
como uma mulher por quem nos apaixonamos,
encanta-nos e até nos trai,
mas quem resiste a um grande amor?
Eu não, mesmo quando,
quase debaixo de água,
me sinto inebriado pelo amor que lhe tenho,
apesar da minha pequenez,
face às suas demonstrações de cólera.
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