Chegavam em grupos, aos magotes,
asas abertas à liberdade que a idade lhes permitia,
e a saudade ausente lhes assegurava,
como tributo à amizade celebrada.
Falavam entre si, entre todos,
conhecidos, amigos ou simplesmente presentes,
gratos pelo ajuntar dos anos passados,
num momento único, o encontro anual.
Um encontro da saudade com a amizade,
do carinho da distância, com o mais puro prazer,
de uma presença que se sente,
palpável e calorosa na aproximação.
Os decibéis a aumentar, e os corpos a pedir,
balanço e embalo envolvente e um abraço quente,
dos trópicos feitos Europa, e nele se deixam ir,
em sorrisos mil vezes calorosos.
Sob este céu azul e límpido,
pairam nuvens que se adensam,
anunciaram-se de um branco,
cujos imaculados princípios,
se foram esbatendo,
em bátegas da imensidão oceânica.
Escurecendo no dia a dia,
da impostura manchada da perfídia ignóbil,
das traições diáfanas em salões de mármore dançante.
“Anegram-se” na constância do “inrespeito” da vida humana,
que da dignidade vai perdendo a noção que já nem a atormenta.
Já se ouvem os estalinhos,
que de tão longe serem,
parecem um bater de palmas,
mas nem o rufar dos tambores,
desperta a amnésia dos tempos,
em que da lembrança fica a negritude,
dos dias e das noites sem outra cor que o avermelhado,
dos clarões ruidosos da intolerância.
Sim, foi diferente,
ontem gostei mesmo,
pegar em ti, ainda uma pluma,
e sentir em mim o teu sorriso,
nas macaquices até te perdias,
em risos abertos e sucessivos.
És mesmo uma simpatia.
O que tu gostas de uma boa brincadeira,
atirar-te ao ar, apanhar-te na descida,
sentires a vertigem do vazio,
enviares-me o teu sorriso,
meio receoso, mas contente,
com esta nova sensação.
Por tudo isso te digo,
minha linda Princesinha,
que te adoro e te voto um amor,
que é imensurável.
Apesar do cinzento do dia,
lá fora,
o que eu via pela janela,
era o voo desgarrado,
de uma gaivota solitária.
Por trás,
num horizonte indistinto,
brilhava um sol aqui desconhecido.
Passou de raspão e bem próximo,
do corpo que tão pujantes narinas suporta.
Abriram-se quase de par em par,
aspiraram, olfactaram, sentiram,
como se lhes tivessem entrado,
por aqueles orifícios sensuais.
Foi uma coisa rápida,
passou só de raspão,
foi de súbito e de surpresa,
mas sentiu tudo,
o perfume, o calor do corpo,
toda aquela sensualidade,
não suportou, inebriou-se.
Ao fundo, um pequeno bar,
servem-se bebidas de várias espécies,
até lá se chegar, caminhamos entre estantes,
ladeados por palavras mil,
livros e mais livros,
corredores deles, lado a lado ou empilhados,
em colunas que se amparam umas às outras,
em precários equilíbrios.
Para o alto, não se via o céu,
mas na imensurável altura das paredes,
viam-se mais livros, só livros,
do térreo chão, ao alto do tecto que nos tapava o azul.
Letras e palavras amontoadas,
embaladas e encapadas, a baço ou brilhante,
mas ricamente compostas, num mundo de livros,
onde até se podia ler devagar.
Amontoam-se ou simplesmente se juntam,
nas prateleiras da vida se vão arrumando,
e por ali se vão arrastando,
sem que o seu horizonte possa albergar,
uma qualquer visão paradisíaca.
Prateleiras imaginárias,
que guardam vidas,
almas viajantes das estradas do universo,
que as aglomeram em meros momentos,
de vidas sem tempo, sem futuro,
vidas emprateleiradas em vida.
Continuo em estado de ansiedade,
sempre que se aproxima o dia,
quando a hora se começa a transformar,
e em minutos se começa a contar o tempo,
disparam as batidas, o coração acelera.
Vou imaginando o encontro,
desenho no ar o abraço, o salto,
e em pleno vazio sinto que,
pequenas e delicadas mãos,
me puxam a camisa por trás.
É ela, assim que me vê,
mesmo sem por ela dar, atira-se,
pendura-se e em emoções já incontidas,
só me sai, só digo,
minha Princesa.
Por aqui, vai-se andando,
que é como quem diz,
não se aquece nem se arrefece.
É um mais ou menos,
quase irrevogável,
mas nunca concretizado.
Isto vai andando, como de costume,
na estonteante velocidade do caracol,
tão motivados e animados,
como a vertiginosa queda do PIB,
ou, talvez mesmo,
a supersónica subida da dívida.
E por aí? Como vão as coisas?
A um canto do vão de escada,
na entrada de uma garagem,
lá estavam, arrumadinhos e em monte,
de diversas formas, tamanhos e cores,
os cartões que servem uma vida,
despojada de tudo o mais,
que a outras vidas serviu.
Já tiveram outra serventia,
foram utilizados para outros fins,
com objectivos, talvez, materiais e agora,
na fase final do seu ciclo de vida,
servem outras e humanas vidas.
Os cartões!
Que se espalham pela cidade,
nas esquinas e vãos de prédios,
habitados por quem não os utiliza,
e deles se desfaz em favor de vidas dispersas.
Cartões que se avolumam nas esquinas da vida,
e enchem as ruas desta cidade.
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