Na distancia segura que os separava,
sentado no muro ensolarado,
apetecia-se naquele corpo,
arredondado e cheio de frenesim,
mirava, remirava e voltava a olhar.
Não despregava os olhos,
daquela cintura fina,
cujo cinto mais estreitava,
e as gotas que da testa lhe deslizavam,
não eram mais que ansiedade,
desejo de aproximação,
choro de um corpo em ebulição.
E Deus criou a raça humana,
coloriu-a com matizes,
do celeste arco-íris,
concedeu-lhe o dom de pensar e decidir,
subdividiu-os em bons e maus,
contente apreciou a obra.
Verificou que entre eles,
não havia diferenças fundamentais,
confiando, pois, na sua superior capacidade,
na excelência da sua obra.
Eram humanos, de várias cores,
apesar de todos seguirem a serpente,
e gostarem da maçã que esta lhes ofereceu,
havia um pequeno problema,
não encontravam forma de se entenderem.
Alinhados para o destino,
tendo a pele como única veste,
clinicamente analisados,
a uns bons metros de distância.
Doenças, se as havia?
Tinham desaparecido por milagre,
à entrada do pavilhão.
Ao sair,
um papel na mão e uma inscrição,
“Apto para todo o serviço”.
Sob este céu azul e límpido,
pairam nuvens que se adensam,
anunciaram-se de um branco,
cujos imaculados princípios,
se foram esbatendo,
em bátegas da imensidão oceânica.
Escurecendo no dia a dia,
da impostura manchada da perfídia ignóbil,
das traições diáfanas em salões de mármore dançante.
“Anegram-se” na constância do “inrespeito” da vida humana,
que da dignidade vai perdendo a noção que já nem a atormenta.
Já se ouvem os estalinhos,
que de tão longe serem,
parecem um bater de palmas,
mas nem o rufar dos tambores,
desperta a amnésia dos tempos,
em que da lembrança fica a negritude,
dos dias e das noites sem outra cor que o avermelhado,
dos clarões ruidosos da intolerância.
Olhas-me com a aspereza,
que só o teu olhar furibundo,
consegue em mim depositar temor.
E porquê? Porquê, pergunto-te.
E a resposta célere como um cometa,
arremetendo em minha direcção,
atinge-me e acocora-me de tristeza.
Não gosto de piropos!
E porque não se nem sequer te disse nada ofensivo?
Limitei-me a ser eu,
aquele que tem dentro de si a beleza e a poesia e que,
por vezes não consegue contê-la.
Transbordo do meu silencioso interior,
e desdobro-me em prazeres de olhares sorridentes,
no fundo, das minhas palavras nem se intui um piropo,
foi tão somente uma constatação.
E o que afirmei e constato de novo,
é que a beleza assenta em ti como a primavera nas andorinhas,
és bonita, limitei-me a confirmá-lo.
E afinal para que nasci,
se não foi para ser feliz,
que ando aqui a fazer?
Que mais tenho de orquestrar,
se a música que me tocam,
aos ouvidos sensíveis,
já não soa como outrora!
Mas que ando aqui a fazer?
Se ao menos a felicidade,
compensasse o sofrimento,
destes dias tão cinzentos,
seria feliz, sim,
mas feliz serei até ao fim,
se o nascer significar ser feliz.
Se vejo o mundo à minha maneira,
se o vejo com olhos interiores,
se o aprecio de forma diversa,
se não o vejo como outros o vêm,
se o faço por ter essa força interior que me impele a tal,
se sei que muitos outros o fazem melhor que eu,
se agrado a quem me lê ou
se não agrado a ninguém.
Se isso me importasse, há muito tinha desistido.
Se não se importam, continuo,
se se importam, basta não ler.
Cai e continua a cair,
impiedosamente molhando,
incautos e distraídos,
a chuva,
essa água abençoada,
que enche barragens,
que irriga campos,
que nos tira a sede,
que cria vida.
A água que também afoga,
alaga e destrói tudo à sua passagem.
Este é o meu rebanho,
esta é a minha gente,
que se agiganta e cresce,
que luta e se defende,
e que no fundo é pacífica.
Este é o meu povo.
O que vivemos e conhecemos!
O que viveremos é a incógnita.
E no entanto,
acreditamos em promissores futuros.
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