Talvez a melhor maneira de decidir,
sobre as escolhas, sobre o País,
mas será mesmo assim?
É que por vezes vêm-me à memória coisas estranhas,
dessas que me deixam dúvidas sobre a sageza de um povo,
especialmente quando faz escolhas ditas democráticas.
E escuto o que a história conta,
e ouço a ancestralidade,
e chego a conclusões perversas.
Lembro Pôncio Pilatos,
naquilo que foi, talvez, a primeira demonstração de democracia,
quando deixou nas mãos do povo a escolha,
permitindo que decidissem por eles próprios perguntou:
“Quem quereis que vos solte, Cristo ou Barrabás?”.
E o povo, na sua suprema liberdade,
pujado de justiça e conhecimento escolheu,
foi libertado o ladrão e Cristo condenado à cruz.
Nas tuas areias quentes,
nas tuas águas cálidas,
deixei os mornos sonhos da infância.
Pisando o vermelho sangue de tuas acácias,
calcorreei os passeios de fantasias,
que minha alma foi criando.
Pelos caminhos que a vida traçou,
percorrendo as auto-estradas do desespero,
atolei-me nas picadas de uma terra,
que de vermelha nada tinha.
Não cheirava à chuva acabada de cair,
era só terra, nada mais que terra,
lama que nos entrava os movimentos,
poeira que o vento há-de soprar.
De tudo se recordava,
tudo lhe passava à frente dos olhos como se fora hoje,
remexendo a colher na malga da sopa,
que mãos solidárias lhe haviam dado para o jantar.
Como se saboreasse o melhor manjar do mundo,
sabendo que assim não era, era o possível.
Ainda assim, naquele momento,
ao matar a fome que o acompanhara o dia todo,
como nos dias que o antecederam,
era mesmo um manjar e estava quente a sopa.
Os castanheiros estão doidos de verdura,
e pelos seus ramos espraiados,
surgem os ouriços esverdeados.
Pequeninos, jovens ainda,
espigões despertos para o mundo,
e no seu interior a vida que se renova a cada ano,
castanhas, a nascer a cada dia.
Castanhas assadas ou cozidas,
sós ou acompanhadas,
mas que vivem enquanto encherem a alma dos que as amam.
Porque a poesia se sente,
entranha-se das formas mais inesperadas,
e vem da alma e do sentir,
não da razão que a racionalidade impõe.
E se a escrevo porque a sinto nos momentos mais improváveis,
é porque a sinto também vinda desta alma que se atormenta,
quer nos momentos críticos ou no estertor económico,
mas também naqueles em que o sentimento aplaude.
E eu escrevo o que me vai na alma,
por puro prazer de escrever, gostem ou não,
e sinto o que à minha volta vejo,
e choro com as lágrimas interiores,
que nenhum estranho visiona mas que o meu peito,
inchado de sofrer, resguarda da curiosidade alheia,
enchendo o coração que um dia pode vir a transbordar.
Assim me descubro nesta escuridão esclarecida,
mesmo assim,
onde o racional não atinge,
sofre o espírito que sem fulgor,
não se atreve nem aventura
a tentar entender os porquês desta vida.
Tento sem dúvida e sem sucesso,
vou tentando consecutivamente,
para finalmente se impor a desilusão
e desisto da insistência,
que esta própria vida,
insiste em não entender.
Era um tempo de angústia,
um tempo em que o tempo marcava o ritmo
da vida de cada mancebo.
Era um tempo em que as mães choravam em silêncio,
que se faziam fortes na presença dos filhos
mas soçobravam logo que eles partiam.
Era um tempo em que tudo era negado a quem
não tinha do tempo o tempo certo para ser livre e,
nessa liberdade limitada pelo tempo se encerrava
em masmorras de que a alma se ressentia.
Era um tempo em que o sonho lhes era negado
e vida parava no tempo,
até que o tempo certo os recolhesse
entre muros e casamatas recheadas,
da nata da juventude parada no tempo.
Era um tempo em que a vida tinha um único objectivo
que o próprio tempo se encarregava de marcar
e permitir viver ou morrer com o tempo
que marcava os intervalos de cada explosão.
Era um tempo em que as mães rezavam
pelos filhos perdidos num tempo madrasto onde,
procuravam sobreviver ao tempo que os aprisionava.
Era um tempo que o tempo não apagou da memória
de todos os que viveram o tempo carcereiro,
acabrunhados por esse tempo,
vagueiam pelas ruas de uma amargura sem cura,
vergam-se ao peso que lhes tolhe os movimentos,
com o pensamento no tempo que lhes tolheu a vida.
Era um tempo em que as mães choravam baixinho
e os filhos sangravam da alma.
No olhar a chama acesa
da esperança,
pelo corpo as marcas
do cansaço,
nos pés trambolhões
as bolhas da fé.
Caminham de coração aberto,
correm mundos e atravessam oceanos,
percorrem estradas e caminhos,
com a lucidez dos inocentes.
Cabeça levantada aos céus
de onde esperam o milagre,
nas bocas orações,
nas mãos crespadas
o terço que as envolve
e bem fundo na alma,
a promessa a cumprir,
com a lucidez dos inocentes.
Sem partida nem destino,
debaixo destas nuvens por onde o sol penetra
nos intervalos do esquecimento,
correndo por aí!
Fugindo das sombras da vida,
buscando momentos onde soe a felicidade,
por onde ecoe a liberdade.
Que é nossa, já sabemos,
que queremos seja dos outros,
que não nos importa se o que querem é o que querem,
mas já nos importa que queiram,
ainda que ao contrário,
mas que seja o seu querer.
Correndo por aí!
Em busca da tolerância,
da capacidade de entender,
da força que nos faz amar o outro ainda que não seja igual.
Correndo por aí!
Ao longe já se sentem,
ainda quase silenciosas.
Sombras que ainda não ensombram,
mas que avisam os mais avisados.
Aproximam-se lentas mas decididas,
bandeiras desfraldadas ao vento
e trombetas que soam estridentes,
já todos as podem ver e ouvir,
mas teimam em manter,
ouvidos fechados e olhos cerrados.
Inexoravelmente se aproxima,
ninguém pode dizer que as não vê ou ouve,
porque com elas vem a morte,
o desespero e a violência da guerra,
são as trombetas do novo apocalipse.
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