Sabes-me a amargo nesta manhã submersa,
sem açúcar, como de hábito,
mas hoje estás amargo,
resultado, talvez, da boca ainda doce do jantar de ontem,
ou até, quem sabe, muitas vezes acontece,
da forma como te tiraram,
nem sempre bem, muitas vezes queimado,
mas assim amargo? Com este sabor que desagrada?
É mesmo muito raro acontecer e,
faz-me recordar a vida,
faz-me lembrar os amargos que ela nos traz,
e esconde-nos os prazeres de bons momentos,
os prazeres de um café quente e forte pela manhã.
Sorrias sob os escombros em que se transformava esta vida,
onde tudo se esvaía pelos esgotos que,
a humana capacidade de estragar alavancava.
Apesar de tudo, sobre estes escombros,
de teus lábios surgiam sorrisos,
tristes na sua grande maioria,
porque os alegres teimavam em se esconder.
E um sorriso teu no meio desta tempestade,
fazia surgir o sol que, radioso, brilhava ainda mais,
e refazia as tristezas que insistiam em nos escurecer a alma.
Porque o teu sorriso, alegrava o mundo,
ainda que por dentro,
todo o teu corpo chorasse e sentisse a acidez da vida,
mas sorrias, e irradiavas uma felicidade que,
animava tudo ao teu redor,
ainda que não sentisses.
Sorrias para o mundo que te caustica.
Semicerras os olhos e pensas que não vês bem,
diante de ti, debaixo de um viaduto,
os despojos de uma sociedade que endeusa,
o que de mais pérfido por ela foi criado,
o dinheiro, o vil metal a que todos se vergam.
Abres os olhos de espanto,
quando vês a realidade que te escondem,
misturam-na com perfumes cheirosos,
apontam-te novos caminhos floridos,
cantam-te amanhãs radiosos e dizem-te com fervor,
o País está melhor, o País está a melhorar a economia,
e o que vês diante de teus olhos que procuram esconder a vergonha,
de tantos compatriotas sem lar, vivendo ao luar,
colhendo a sobrevivência nos caixotes do lixo desta sociedade,
envergonham-te, envergonham-te por nada poderes fazer,
entristecem-te porque estás a deixar de ter um País, uma Pátria.
Tu que passas na rua,
fechas os olhos e sonhas que um dia será diferente e,
chora-te a alma, retrai-se-te o coração porque,
estás a deixar de ser humano perante tanta desumanidade.
Chegaste como o vento,
de rompante e esbaforida,
apoiada no balcão pediste um café,
relançaste o olhar em redor,
encontraste quem o fizesse também.
Atrevidamente te depositavam olhos curiosos,
sobre os teus,
passavam a limpo a matéria,
aprovada que foste,
logo te correram o corpo libidinosamente,
acariciando-te sobre a roupa simples que vestias,
sentiste o calor desses olhos perscrutantes.
Levantaste os teus e de frente,
sem receios e desafiadora os enfrentaste
e de tal forma insististe que,
atabalhoadamente envergonhados,
se baixaram até ao chão,
e a teus pés se depositaram.
Passeio entre as ervas altas,
regadas pela bênção de uma chuva,
que de tão mansinha,
as enche de vida,
e piso-as para logo se erguerem de novo,
a força da natureza,
penso com meus botões.
Enquanto o cão rodopia saltitante por entre elas,
satisfeito e feliz,
com os cheiros que da terra exalam
o chamariz da vida e lhe atraem o olfacto.
Passeio o olhar em volta,
verde sarapintado de amarelos, roxos e outras,
cores criadas por um Deus que da vida,
fez ciência para o homem aprimorar,
não para destruir a vida que da terra sai.
Sou de lágrima fácil,
com alguma dificuldade as contenho,
quando diante dos olhos me passam as injustiças,
Sou de lágrima fácil,
quando o sentimento fala mais alto,
e a ternura dos momentos me abre os diques.
Sou de lágrima fácil,
mesmo quando as contenho,
e no rosto ficam as marcas por onde,
nos sulcos que a vida abriu,
correriam soltas e sem embargos.
Sou de lágrima fácil,
mas só para os momentos em que a alma,
se desprende das grilhetas e se mostra no meu rosto,
velho e cansado, mas humano e solidário.
Sou mesmo de lágrima fácil.
Uma a uma as fui desfiando,
corri-as todas e ainda havia mais,
já não podia continuar, estava cansado.
Ver tantas fotografias, antigas,
imagens de um tempo em que ainda nem imaginava,
que um dia viria a sonhar, e se sonhei.
Mas como tudo na vida, foram sonhos,
cada um com a sua estória, com o seu desenlace,
mas sonhos sim e ali estava muito dele.
Repetiam-se de pequenino, a maiorzinho,
os bisavós, os avós, os pais, o irmão,
tiradas aqui e ali, por esse mundo fora,
de São Tomé ao interior de Angola,
pela terra vermelha até à cidade.
Uma infância cheia de riquezas imateriais,
plena de vida,
vivida nas melhores e piores circunstâncias.
Uma infância, uma vida de recordações.
“Logo que surja a oportunidade”,
frase de esperança e desesperança,
quantas vezes ouvida por quantos a odeiam,
é um chavão que empata, que destrói e,
corrói as esperanças de quem procura.
Como uma sentença,
quem a ouve reduz o seu amor próprio,
queda-se no mutismo da indiferença de quem a profere,
e sem sentimentos que nos humanos,
deveriam ser inerentes,
derruba as esperanças de futuros,
sonhados e entusiastas.
Um dia vogarei pelos céus,
por entre as alvas nuvens que nos separam,
deitarei um olho cá para baixo,
vou procurar-vos com a vista,
estejam onde estiverem hei de encontrá-las.
Porque mudarei de dimensão
mas não mudarei de amor por vós,
serão sempre princesas a meus olhos e,
por eles sempre assim as verei,
mesmo que os feche de vez,
nesta retina cansada ficarão gravadas
para memória futura, como se diz,
mas na minha memória de certeza.
É um desfile a que se assiste,
glamour e vaidades mundanas,
cercam os oásis da miséria galopante,
que longe dos palcos perfumados,
se recolhe em caixas de cartão.
Espalhados pela noite,
semi-abrigados por telhados sonhados,
por baixo dos farrapos de cobertores recusados,
olham as estrelas,
espreitam a lua.
Na passerelle não os sonham,
mas sonham também,
com outras estrelas,
e sem verem a lua,
ignoram a terra que os cerca.
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