Tinha dezassete anos e era órfão de pai!
Obrigado desde cedo a trabalhar para se sustentar e viver, ali estava, a setecentos quilómetros de casa, longe de uma mãe que se tornara guerreira pelas agruras da vida e de um irmão que, sendo mais novo, logo teria de se atirar à luta também!
Eram os tempos da solidão e desespero, eram os tempos em que a segurança social não existia, eram os tempos em que o melhor podia aparecer com o recrutamento militar, eram os tempos mais negros que se podiam viver!
Instalado num modesto quarto de pensão de quarta categoria, ali tinha o seu pequeno e restrito mundo que, mesmo sendo pequeno, não o iludia quando ao regressar do trabalho o via remexido e revoltado pela perícia dos inquisidores que procuravam e não se cansavam de o fazer. Porque simplesmente tinha um amigo que era um alvo referenciado e, como tal, também o poderia ser!
Durante alguns anos, três, mais precisamente, ali comemorou os aniversários, longe de todos os seus, longe de tudo, cercado pelo silêncio mais atroz que se possa imaginar, sem festas, sem bolos de aniversário e as únicas velas acesas eram as da lâmpada do tecto que mal iluminavam o aposento.
Num pequeno rádio de pilhas ouvia alguma coisa do mundo, o que permitiam, claro, e deitado sobre a cama sonhava que um dia, um qualquer dia desta vida, as coisas poderiam vir a ser diferentes, até poderia vir a ser uma pessoa como as outras que ali deitado sonhava.
Nesses momentos ouvia música e ficou-lhe na memória uma que acabara de ser lançada, “A day in the life”, pelo agrupamento que havia de ser reconhecido mundialmente como “The beatles”.
Como essa música o marcou, como ela o acompanhou, sempre na esperança dos dias sonhados e melhorados em função da música!
Eram os dias tristes e acabrunhados de quem tinha de fazer pela vida, mesmo sendo ainda menor de idade porque nessa altura a maioridade era aos vinte e um anos!
Eram os dias do fim de uma meninice que havia sido feliz, eram os dias do tormento, do silêncio e da solidão atroz que jamais será esquecida!
Era o início de mais quatro anos sem retrocesso, numa guerra que não devia ter sido!
Vidas marcadas pelo destino incontrolável!
Sem culpados, sem lamentos, sem remorsos, sem nada de palpável que nos alegrasse os dias, só a vida em toda a sua robustez!
Luis Filipe Carvalho