Sinto que tacteias e me procuras,
estendes a mão e tentas agarrar a minha,
nesse afã só consegues alcançar o dedo
que tremendo de emoção estendo para ti,
e agarras com a força e a genica
que a tua tenra idade permite.
Aproximo os lábios dos teus tenros ouvidos
e sussurro baixinho, lentamente,
para que entendas o que digo e sintas o que sinto por ti,
bem-vinda Francisca, que o céu te proteja!
Não sei se entendeste, não sei se percebeste,
mas tremeste um bocadinho e eu
optimista e esperançoso tomei
como assentimento e garantia que,
não só entendeste o que te sussurrei
como percebeste que estou aqui para ti.
Um dia sorrirás para mim e ouvirei aquela palavra mágica que dirás
e que transforma a emoção em comoção sem limites… Avô!
Como todos os princípios que existem
porque servem determinados fins,
também nós, seres humanos,
comungamos do mesmo estatuto,
servirmos para um fim específico
que nos impõe a preservação da vida.
Temos como princípio criá-la
e na sequência da exigência,
preservá-la para continuação do futuro.
A vida é a humanidade,
com defeitos e algumas singularidades
a que chamamos qualidades e nos levam a perceber que,
dos nossos erros pode vir a desgraça
para o mundo como o conhecemos,
para a humanidade como seres vivos,
para nós e para os nossos como futuro.
Quando me anunciaram a possibilidade,
parei por momentos, sem pensar em nada,
estava simplesmente absorto pela novidade,
que já nem o era assim tão grande.
Mas o momento, aquele preciso momento
em que nos dizem… vem aí, é agora!
Fico sem fala e só me ocorrem pensamentos
que só a felicidade ajuda a perceberem-se
de quão grato estou à vida por mais esta vida!
De tão ansioso já a sinto nos braços e mexo-lhe,
remexo-lhe sentindo o calor do seu corpo junto ao meu!
Estou certamente a antecipar o prazer,
todas as sensações que resumirei numa palavra,
Amor!
É tudo o que tenho para lhe dar quando lhe puser os olhos em cima
e a sentir junto ao coração quer baterá acelerado junto ao dela.
Só tenho amor e carinho e dela será por inteiro,
com eles a cobrirei para que o mundo saiba que a partir de agora,
há mais uma vida no planeta, há mais uma menina nesta terra,
porque nasceu, a minha princesa Francisca!
Sussurra-me assim baixinho, ao ouvido,
como se fosse uma leve brisa marinha
que por mim passa quando,
distraído e absorto com a sua vastidão,
me deixo enlear pelo olhar neste imenso mar,
que é verde por vezes e de outras cores também,
consoante variam as suas marés.
Oiço vindas de longe,
vozes que não conheço nem distingo
e línguas que nem sonhei existirem,
mas que me falam hoje como se nos conhecêssemos há séculos,
vindas lá do mais fundo e atravessado oceano,
são sussurros distantes, vêm de longe,
mas nunca estiveram tão perto,
nunca se aproximaram tanto desta casa
que nos viu partir e descobrir que,
para lá das distâncias e muito mais longe ainda
que a profundeza dos oceanos que cruzámos,
estão as vozes que um dia, ouviram estupefactos
e também eles não as entenderam…
mas ouviram e aprenderam que o tempo
tudo muda, tudo transforma e que agora,
de lá da sua lonjura tão próxima,
nos sussurram ao ouvido,
como uma brisa marinha que chega e nos envolve
com a única e sagaz palavra deixada no vento… Saudade!
Não sabes, nem eu, e no entanto
aqui estamos os dois, lado a lado.
Tu porque não sabes nem me conheces,
eu porque também não sei nem te conheço.
Ambos ligados pelo mesmo destino
que aqui nos junta para futurar não sei o quê.
Porque as escolhas do destino não são aleatórias,
alguma razão teve para aqui neste ermo de planeta
de alma ferida nos juntar e festejar esse encontro
com a imensidão do chilrear dos pássaros
que nos servem de orquestra nesta troca de olhares.
Eu não sei, nem tu, qual o propósito deste destino
que nos junta sem aviso prévio ou notificação,
mas algum será, algum terá de ser.
Entretanto, ouvindo e encantados pela sinfonia,
damos as mãos, sentimos o bater do coração
e serenos aguardamos o que o destino,
na sua superior sapiência, nos destina para o tal futuro.
Porque não é um dia normal,
todo passado entre quatro paredes
de uma sala de espera de hospital!
Exames, uns atrás de outros,
concentração e análise…
repetição!
Para melhor verificação!
Porque hoje é o dia e, amanhã,
se porão em prática as observações
que de tanto se examinar,
se acaba por fazer conhecimento
e deste, prática de intervenção
no que é o humano corpo.
Vejo-te entrar e sair em exames sem fim, nos lábios,
o mesmo sorriso de sempre, contagiante no seu optimismo,
e, no entanto, escondes o tormento que te invade a alma
e aperta o coração em momento tão delicado.
Vejo-te mãe, disfarçando a preocupação
ou não querendo que outros se preocupem,
sinto que me queres poupar às tuas agruras e, nem imaginas
como eu procuro disfarçar também aquilo que me vai na alma.
Dois optimistas, dois sobreviventes da vida
da dureza com que nos foi dilacerando,
confias na tua fé, eu também,
estou certo que vai ser só mais uma etapa,
mais uma provação a uma alma que merece
e tem já garantido o céu que na terra lhe tem sido negado.
No fim, comemoraremos mais um obstáculo ultrapassado,
Mais uma batalha vencida e também mais uma vida,
que aí vem na forma de bisneta e tens de conhecer.
Vejo-te mãe, eternamente na minha vida!
Que se processam diante de nós,
que nos preenchem os dias
desta solidão que é a própria vida,
são coisa da vida
que acontecem a qualquer um.
Sentimos os dias passar nesta imensidão
de momentos com e sem significado,
e do tempo que faz sentimos o frio
que se instala em nós com morada permanente,
não há dias quentes que nos confortem,
há dias que se multiplicam, simplesmente…
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