Na mesa um café,
a acompanhá-lo a bolsa do tabaco,
e um imprescindível cachimbo se lhes junta.
Momentos de relaxe,
ali mesmo, no Chiado,
no largo onde a estátua do cauteleiro,
me trás à memória lembranças antanhas.
Momentos fugazes,
vidas consumidas,
o mundo passando diante dos olhos.
Lisboa em dia de sol,
turistas em profusão,
e eu, vendo passar a vida,
nesta cidade apressada,
mas com tempo, com espaço,
para ser amada e apreciada.
Nunca o silêncio foi tão profundo,
tão escuro e simultaneamente,
tão brilhante como aqui, agora.
Sem as luzes de uma ribalta de vaidades,
impeditiva do emergir da noite,
escura como breu,
silenciosa na sua negritude,
assustadora na sua profundidade,
mas deliciosa no deslumbramento,
que a abóbada celeste nos oferece.
Pela rua Serpa pinto acima,
com paragem no Museu de Arte Contemporânea,
para um concerto com a fadista Aldina Duarte,
mais acima, cerca de meio quarteirão,
outro concerto nos surpreende, desta feita,
pelo estrondo do som que emana da varanda do TNSC,
nada mais que o coro entoando uma ária de “El toreador”.
Soberbo no fim de tarde de verão,
toda a área do Chiado o ouvia e na rua era de facto espantoso,
e o sol a pôr-se no horizonte.
Fabuloso.
É assim Lisboa.
De outras eras, de eras actuais, sempre Lisboa,
que canta e encanta quem por ela se souber apaixonar.
Ela exuberante no discorrer da palavra.
Ele exuberante no silêncio em que as envolve.
Ambos sintonizados,
os dois comunicando,
com palavras, sem palavras.
Bastando uma simples troca de olhares.
Via a tua, da minha janela,
nas noites mais escuras,
em que a lua envergonhada,
se escondia por trás das nuvens,
conseguia até distinguir uma luzinha.
Não, nunca vi mais que isso,
uma luzinha na escuridão,
mas era a tua janela e disso não tinha dúvidas,
bastava-me sabê-lo, não queria mais.
Da tua janela e da luzinha visível,
soltavam-se sonhos e imaginações,
e na noite escura, mesmo sem lua,
se iluminavam e resplandeciam os desejos.
Cavalgando imaginações e pensamentos,
acontecia o amor sem luar.
Sou louco?
Pois sim,
penso ao contrário dos outros,
largo a riqueza pelos momentos de prazer,
da companhia, da conversa,
mas sou louco de amor,
e quando amo,
a loucura acompanha-me,
e as riquezas do mundo,
estão no momento em que,
enlaçados pela partilha e desejo,
nada mais encontramos à nossa volta.
Sem querer ou imaginar,
vens-me à adormecida memória.
Em sonhos, soltos e espaçados,
adormecido na noite silenciosa,
em absoluto descanso mental,
desperto em outra dimensão,
apesar de tudo estou vivo.
Tento que o presente seja o toque de ordem,
prevaleça sobre o passado,
que de alguma forma já é distante,
mas não o controlo.
E no entanto...
Ali estás na noite escura e silenciosa,
mordendo os lábios, olhando-me provocadora,
excitando-me a libido, destroçando o meu descanso.
Como uma realidade, assim vivo o sonho, me desfaço,
e me convences e torturas, com as tuas mãos quentes,
a língua irrequieta e o corpo insaciável.
Rendido a teus encantos me deixo soçobrar,
e o silêncio da noite se transforma em grito de amor e prazer.
E se de uma paixão,
nascer um coração,
que palpita em tropelia,
que sente e se preocupa,
que chora e se entristece,
que ri e se alegra,
não estranhes,
isto de que falo não é nada de admirar,
isto de que falo é amor.
Quando em mim deixaste o teu beijo,
e finalmente o meu corpo cedeu,
algo aconteceu no universo.
Dos milhões de seres ali espalhados,
duas estrelas se apartaram,
e ao juntarem-se produziram o choque,
que gerou o mais belo momento da vida,
a união física de que o amor se alimenta.
Se não te vejo, porque te olho?
Olho-te para não te ver,
olho-te porque te quero ver,
olho-te para além do infinito.
E esse meu olhar não te enxerga,
porque estás muito mais perto de mim,
que qualquer outro infinito.
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