Empoleirou-se no topo de um mastro.
A sagacidade do olhar pesquisou à volta,
semicerrou as pálpebras e afinou o olhar,
o mar ali, à distância de um bater de asas.
Alisou as penas, esticou as asas,
um leve bater, um aquecimento prévio,
dois estridentes gritos e uma queda no vazio.
A força da elevação leva-a às alturas,
pica o oceano, volta a subir,
três voltas depois, retorna à posição inicial.
No seu mar, fonte de alimentação,
nada encontra para se sustentar,
vira-se para terra e lá ao longe vislumbra.
Descobre nova fonte de vida,
a lixeira humana vai passar a alimentá-la.
Do universo só conheço os planetas e as estrelas.
Procurando dentre todas a que mais brilha,
amiúde me revejo, em noites muito escuras ou enluaradas,
calcorreando os caminhos da procura.
Sempre em vão esta busca.
Já que a mais brilhante,
a que me ofusca com o seu clarão,
de todas as estrelas a mais apetecida,
se encontra aqui bem perto do coração.
Um dia hei-de mostrar-lhe as estrelas do universo.
E se te custa muito,
não digas nada,
não faças nada,
deixa-me só,
silencioso como sempre.
Olhando o céu azul,
assistindo ao pôr do sol.
Só e silencioso,
como sempre.
No mundo onde vivi, procurei um espaço,
onde o meu corpo encaixasse, onde me sentisse parte,
onde me envolvesse com alma e, pensando bem,
acho que nunca o consegui encontrar.
Este não é o meu mundo, tão perfeito como o imaginei,
dessa solidão tão minha, do silêncio que meus lábios
balbuciando diziam, vai, vai, segue o teu caminho,
mas não era este, demasiado ruidoso, demasiado maldoso,
o meu caminho não era este, era feito de silêncios,
estava cheio de observações, e o que via não me agradava.
Não era esse o meu caminho e por isso vagueei pelas ruas da vida,
tropecei e fui empurrado, espezinhado tantas vezes,
mas convicto continuo a pensar que esse não era o meu caminho,
e no silêncio de minha alma, caminho contra o vento.
Não sei qual é o feitiço,
se existe sequer algum,
mas a noite, a noite traz de tudo,
desde logo o manto de silêncio,
que nos cai em cima e,
dele surge o feitiço da lua, ou da noite sem ela.
Cresce em nós a solidão do dia adormecido,
na noite fria de um inverno que ainda só é Outono.
E sós, no silêncio,
ouvimos o que a vida nos tem para contar e,
nem sempre tivemos tempo para ouvir,
ouvimos a vida, que passou e nos espreita,
num futuro sempre adiado,
ouvimos as coisas que nunca ouvimos,
porque não estávamos atentos,
ouvimos a noite que nos cobre.
Já me acompanha faz tempo,
pela minha idade diria que pelo menos,
há uns bons quarenta e poucos anos,
companheirão das boas e más horas, o cachimbo,
de que possuo uma boa mostra de variados exemplares.
Ninguém me conhece sem ele e,
nos momentos de silêncio,
na paz dos pensamentos,
na solidão das multidões,
sempre ele para me acompanhar.
Mais tarde, velhice talvez,
o charuto se anuncia,
não um companheiro desta viagem que é a vida,
antes a companhia do prazer,
da gula ou outro qualquer,
mas sem dúvida do prazer puro e duro,
sem que nunca retire o lugar do cachimbo.
Prazeres da vida.
Com a mole imensa desta gente à minha volta,
estou só,
e do ruído que se espalha
crio o silêncio que me envolve.
Desse momento de ausência,
somo letras, junto palavras,
procuro um sentido
onde muitas vezes me arreveso,
um significado final.
Silêncio e palavras,
um conjunto essencial ao sentido
de uma vida que os procura.
Já caía o dia,
instalava-se uma indistinta e opaca luminosidade.
Imperava o silêncio que em breve seria quebrado
pelo constante entusiasmo das cigarras cantadoras
que da noite fazem palco
agradando à lua em quarto crescente
a caminho da bojuda e cheia lua de Agosto.
Não sei, mas sinto falta,
sinto a tua falta,
e quando não estás,
cresce um vazio em mim,
quando estás enches o espaço
e eu queria silêncio,
mas fazes-me sentir vivo
e isso eu não posso pagar,
porque sinto a tua falta,
quando não estás por perto.
No silêncio da noite,
fazia-se ouvir exasperadamente,
como badaladas de um sino de igreja.
Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac.
No correr das horas paradas,
na noite calada,
acordamos os sentidos,
despertamos a alma,
e para a negritude do futuro,
espreitamos o que não conseguimos ver.
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