Porque não são todos iguais
os dias passam deixando em nós
as marcas mais diversas,
se uns são cinzentos e fechados
acabrunhando-nos a alma,
outros são esplendorosos
na harmonia completa entre céu e terra.
Passam uns atrás dos outros,
quase sem darmos pela sua corrida
e no entanto, de tempos a tempos,
quando nos olhamos ao espelho,
lá estão eles!
Marcando-nos esta passagem,
que iniciámos faz tempo,
por esta terra em que os dias se alternam,
uns são melhores que outros,
uns são mais aprazíveis que outros,
não são todos iguais,
mas são os dias que passam por nós,
que nos corroem o corpo
e transportam para a dimensão seguinte.
Por vezes é assim, sem dificuldades,
iluminam-se-me as palavras na mente
e como “néon” colorido, acendem e piscam
neste cérebro que já teve melhores dias,
mostrando tópicos a explorar ou
caminhos a seguir para a escrita.
Mas há outros dias…
Onde só o olhar para a caneta ou
para o imaculado das folhas à minha frente,
me causa uma fobia, um terror mesmo irracional
de não conseguir com estas ferramentas
produzir qualquer linha de escrita e,
se um poema não nasce,
quanta tristeza no mundo da palavra
que vê nas letras a emancipação natural
da racionalidade e inteligência humana.
Por isso eu tento, procuro escrever,
desenhar as letras num imaculado papel,
mesmo que a lassidão me imponha
a natural preguiça para escrever,
eu tento e escrevo, e volto a tentar e a escrever.
Por vezes saem coisas que mesmo eu
me admiro de ter escrito com tal elevação,
outras vezes, só me soam a hieróglifos…
Caiu-me uma gota na testa,
uma gota de água pura e límpida,
caída de um céu azul que ofusca,
onde uma nuvem solitária passou veloz a caminho do sol.
Escorreu-me da testa, passou pela vista
E na sua correria descendente,
atravessou-me o rosto em direcção ao solo.
Deixou-me na face um sulco brilhante,
cheio de milhões de partículas da vida que irá brotar
deste chão onde finalmente se derramou.
Ao baixar a cabeça notei que no local onde caíra e se aninhara,
um tufo de verde flora já despontava e sonhei
que ao desenvolver-se, brevemente teríamos mais uma etapa
da vida de frondosas e benditas árvores,
que nos alimentam do seu imprescindível oxigénio!
Aquele era o lugar preferido do jardim
o banco que mais lhe agradava,
mal chegava ocupava-o logo.
Sozinho ali sentado com o caderno e a caneta,
não que fosse um banco especial,
o mais cuida e o menos vandalizado,
mas porque dali assistia regularmente
ao nascer da primavera no alargado relvado.
Sentia o odor que as plantas exalavam,
essencialmente as que se rodeavam de abelhas,
os pássaros compunham melodias extraordinárias
e de vez em quando vinham, suavemente,
pousar na extremidade do banco
emitiam uns trinados breves e partiam,
respondendo a chamamentos que não entendia
mas percebia como encantos da estação.
Nos dias e horas em que aqui se plantava
não havia crianças e o silêncio imperava,
só entrecortado pelos sons da natureza,
era então que imaginava o paraíso.
Um tapete verde ainda húmido das gotas
Que alguma nuvem resolvesse soltar,
Plantas viçosas e em rebentos mil,
árvores frondosas e sombra fresca.
Um paraíso!
Tudo num jardim público bem tratado
onde até a caneta deslizava
sobre as folhas imaculadas de um caderno de poesia!
Ouvia-se música ao fundo,
por entre as profundezas de Bach
escuta-se um pequeno
quase silencioso restolhar,
a caneta já deslizando sobre o papel
branco como a cal da parede
mas logo regurgitado de coisas estranhas,
ao afastar a cabeça, notavam-se
linhas horizontais e paralelas até ao infinito.
Ajeitava os óculos, aproximava a cabeça e então,
já menos desfocada a imagem,
surgiam linhas de uma escrita,
umas atrás das outras,
com um pequeno intervalo.
Palavras inteiras, frases completas,
distinguia agora nitidamente
o que nem ao escrever lhe fazia sentido,
podia ler tudo e encadear a escrita
que finalmente o transportava para longe,
para lá do horizonte finito a que tinha acesso,
via longe, mesmo além do infinito.
Sentia-se então levado de nuvem em nuvem
para o país dos sonhos onde só havia lugar para alguns,
entrava no país dos poetas e da poesia.
Estava em casa!
Quando vos olho distraidamente
sinto uma sensação estranha,
a maçã de Adão sobe e desce e,
a dificuldade em engolir,
aumenta extraordinariamente,
fecha-se-me a garganta e eriça-se a pele.
Reparo nas andanças de um a outro lado,
nas brincadeiras que fazem as duas,
supervisionadas pelo riso da pequenina,
ou até, quando sozinhas,
se entretêm com sonhos que só a vossa idade permite.
Emociono-me e agradeço pelo que a vida,
que foi difícil e complicada,
me presenteia com coisas que,
de tão simples e corriqueiras no mundo,
me consolam e enchem de felicidade.
Posso mesmo dizer que me sinto e sou feliz!
Não tendo nada, mas tendo tudo.
Sendo, enfim, proprietário do que,
mais que materialmente valioso,
é superior e sensitivamente engrandecedor,
a alma cheia do amor que tenho
às minhas três princesas deste coração
que as acolhe e enriquece de paixão.
Sou feliz, sou rico e no entanto,
nada tenho de material que seja vendável!
Pelos sinais se reconhece o lugar
porque os sons que nos rodeiam
não deixam qualquer dúvida.
O grasnar dos patos relativamente perto,
mais junto à casa o cacarejar galináceo,
o galo não se cala desde os alvores
de um dia que se espera quente.
Mais afastados, a égua relincha
com a felicidade de se sentir em liberdade
num campo em que predomina a relva fresca
e apetecível aos seus instintos alimentares ou,
quem sabe se será também,
por sentir o alazão ali tão perto, mas limitado ao cercado.
É o campo, a vida agrícola que,
ao ar que ainda é livre e aqui mais puro,
se apresenta coberta destes sons da vida
que há muito deixámos de sentir na cidade.
Inebriamo-nos esta aparente sonolência
de uma vida que é dura para quem a vive,
nostálgica para quem, de tempos a tempos,
percorre a distância para a sentir
e saborear esta sensação que nos traz
renovação de sentimentos e estímulos de vida
gozando a paz campestre à nossa volta.
É na separação que nos sentimos longe do que
Habitualmente nos cerca, seja longa ou curta a separação,
fica sempre aquela sensação que traduzimos magistralmente
por uma palavra única no mundo só existente
na nossa universal língua “mátria”…
“Saudade”!
Um misto de afastamento e emoções com
uma vontade de abraçar e sentir sempre junto ao coração,
em abraços apertados e prolongados,
com uma furtiva lágrima à mistura,
que estamos juntos e que somos únicos em carinho e amor
por aquele que, sendo sangue do nosso sangue,
ou talvez não, mas como se o fosse,
queremos ter sempre por perto da vista
para que estejam sempre perto do coração!
O que assusta,
não é a onda do mar,
que se encapela furiosa,
que se lança em correria,
e desfalece na mansidão da praia.
Não, não é a onda que assusta.
O que assusta é o imenso mar,
aquele que se amontoa por trás da onda,
aquele que quando se decide,
quando se encapela em uníssono,
tudo empurra no caminho para a praia,
e tudo arrasta no seu retorno.
O que assusta não é a onda, é o mar que lhe dá origem.
A poesia não tem dono, é livre, é vadia,
anda por aí para quem a queira apreciar.
Há quem a escreva numa métrica certinha,
alinhada por sílabas e rimas perfeitas.
Mas a poesia pode ser diferente,
pode sair do peito que se enche de vida,
da alma que se inspira no olhar,
do sentimento que brota de uma lágrima.
A poesia é minha, é tua, é nossa,
é do mundo que nos envolve,
que nos revolve e nos atira
aos trambolhões pelas veredas da vida.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.