Rosto sereno, olhar atento,
no desfilar dos instrumentos que, à sua frente,
emitiam os sons mais diversos.
A cacofonia de afinação terminou,
o início do concerto teve lugar,
os sons afinaram-se, organizaram-se,
aconteceu o que o universo há muito havia conseguido,
em uníssono, emitiram os mais belos sons,
certos e coordenados, sem falhas.
E o rosto sereno alegrou-se,
emitiu uma satisfação, escutou atentamente,
rasgou um sorriso.
A música que lhe entrou na alma,
também lhe encheu o coração.
No meio do capinzal,
ali onde as armas falavam mais alto,
escondidos do mundo,
em lados opostos,
mas firmes nos princípios,
celebraram a amizade.
Nenhuma guerra,
por mais violenta e opressora,
podia estragar o momento do encontro,
de tão grandes amigos de infância.
Fez-se o abraço,
soluçou-se a saudade,
estreitaram-se os corações,
e a amizade voltou a ser selada.
O corpo roliço atraía-te,
os longos cabelos escuros deliciavam-te,
mas a vida é feita de mais coisas.
O amor não se compadece
com esta ordem de grandezas,
quer mais, quer muito mais,
quer coisas que os olhos não vêm,
mas o coração sente.
Entusiasmas-te com o seu olhar,
o sorriso encanta-te,
o seu corpo deleita-te os pensamentos,
imaginas-te nos seus alvos braços,
sentindo-lhe o bater do coração.
E são beijos e abraços,
são tudo o mais que imaginas,
e quase sentes real.
Mas toca o despertador e acordas para o mundo.
Não sou pintor, nunca pintei,
acho mesmo que não tenho jeito para a coisa.
Mas olho a vida como uma tela em branco,
tentei pintá-la, ainda tento,
escolho as cores mais bonitas do meu arco-íris,
e vou dando pinceladas,
sempre na esperança de que dali saia uma obra prima.
Não sei se atingi ou de alguma forma o conseguirei,
o certo é que hoje a tela branca,
apresenta cores de várias tonalidades,
pinceladas simétricas,
outras cruzadas,
muitas pinceladas fui dando para que no fim,
tenha obtido a minha tela da vida.
Uma obra que não sendo prima,
é, contudo, a que pintei.
No teu corpo ondulante,
vi crescer as marés,
vi o vento empurrar-te as águas,
descobri,
em cada ondulação do teu corpo,
carneirinhos de espuma,
esbranquiçando o prateado do teu mar,
e em cada maré uma nova ondulação.
Matei a saudade,
desferi-lhe o golpe de misericórdia,
aniquilei-a de vez.
Não voltei,
não sei se um dia voltarei,
o que sei é que não se deve retornar,
não se deve voltar à casa
de onde nos mandaram embora.
Olhando para ti só vi um botão vermelho,
dois dias depois resplandecias,
e ao sol deste dia primaveril,
abriste-te em cores de borboleta e arco-íris.
Os olhos no horizonte,
fixos em nenhures,
olhando o nada que a vida traz.
Era uma pena de ave,
tão leve, tão leve,
que mal lhe batia um sopro,
esvoaçava e volteava no ar,
e era uma pena,
que uma pena de ave tão prendada,
no seu voltear dançarino,
se mantivesse fora dos palcos da sociedade.
Percebi que não era assim,
o seu palco era maior que estes,
era enorme,
destinava-se a um público mais entusiasta,
era o palco do mundo.
Por isso volteava no ar,
arrastando-se daqui para ali,
para que todos a pudessem apreciar.
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