Desceu à doca,
percorreu o finger,
aproximou-se do sonho,
deu umas passadas à sua volta,
apreciou-o como nunca o tinha feito.
De repente bateu-lhe uma saudade,
daquele objecto de prazer ainda presente,
mas a quem estava prestes a dar asas.
Levantar ferro, na linguagem adequada,
para outras paragens,
para outros corações,
para outros sonhos.
Que lindo ele estava ali
ao sol dourado do início de dia,
brilhava como nunca e mantinha-se irrequieto,
como sempre, ao sabor das pequenas ondas,
não fora os cabos que o prendiam em amarração,
estava certo partiria desenfreado por aquelas águas,
galgando ondas, fazendo bordos,
e a 45º de inclinação, atingiria o sumo do prazer,
na velocidade estonteante que o vento lhe permitia.
Correu-lhe as mãos sobre o casco,
afagou-o tanto como pode,
despedia-me antecipadamente e,
se não fosse a chuva caída na véspera,
diria que também ele deitou uma lágrima.
Podem simples ou complexos,
fáceis ou rebuscados,
os prazeres dependem de quem os sente,
mas também de quem os desperta.
O que nos dá realmente prazer,
pode ser simplesmente,
tão simples e prazenteiro,
como um almoço numa esplanada,
uma taça de vinho branco, gelada,
e um peixinho grelhado no prato,
mesmo que a mulher na mesa ao lado,
seja a personificação da miss qualquer coisa.
O prazer tem horas, tem momentos,
e nessa altura, a alma sente
o prazer que o corpo deseja.
O sol entrava a rodos,
tinha acabado de cair aquela chuvinha,
miudinha, “molha tolos”, dizem,
e de repente, sem que se esperasse,
perante tão negro quadro,
abrem-se as portas do céu,
e do azul celeste intenso,
aparece o sol ardente,
procura-me com seus raios,
atinge-me com a força do seu calor.
Cerro os olhos a tanta claridade,
encho o peito ao prazer que sinto,
sorrio interiormente,
com a alma cheia e agradada.
Do recanto que ocupo,
a vista alarga-se abrangente,
e ao longe, bem para a frente, distingo,
por estes pingos de chuva que teimam em cair,
a estrutura imensa que o homem sonhou,
a agora eleva-se impante sobre as águas,
sobre o rio que lhe serve de leito.
Ao longe é uma pérola,
brilhante sobre estas águas,
ao perto, um prodígio da engenharia,
e à noite, que maravilha,
quando se acendem as suas centenas de luzinhas,
tremelicando sob as estrelas, concorrendo com elas,
sob o plácido olhar do Cristo Rei,
desperta em nós os efeitos
dos prazeres e dos amores.
No que primeiro reparei,
quase como num filme,
coisas de homem certamente,
dirão entre dentes para serem simpáticos,
já que as mulheres reparam em outras coisas,
a imponência dos seios, arregalados direi,
numa descrição "sui generis",
mas a que me ocorreu no momento.
Vinham cheios e levantados, arredondados,
muito mais que o tamanho,
que nos meus delírios considero adequados,
mesmo assim, empolados ou não,
assentavam como uma luva,
em corpo tão bem proporcionado.
Escrevia as patetices do costume,
dedilhava o teclado ao sabor do que me vinha à cabeça,
textos, poesia, coisas diversas,
pelo rabinho do olho sinto uma sombra,
levanto a cabeça e deixo-a viajar até à janela,
e pelo vidro duplo de que é construída,
assisto ao espectáculo da natureza,
como se tivesse sido preparado só para meu deleite,
cai uma folha seca da árvore em frente,
cai outra e mais outra e,
neste corrupio de quedas, pasmo,
talvez uma rajadita de vento,
ou quem sabe o cansaço da espera de vez,
caem como flocos de neve,
seguidas e em quantidade espantosa.
O espectáculo da natureza em todo o seu esplendor.
No entanto, o sol nasce,
e, no entanto, a lua adormece-o,
entre ambos nos deslocamos,
e por eles trocamos humores,
também amores se manifestam,
os temores, no entanto, se espalham,
por entre a luz dos dias que nos consomem.
Na noite das luas cheias,
olhamos o céu e sonhamos,
que os dias não passam por nós,
pensamos até em outros sóis,
inexoravelmente, inevitavelmente,
segue-se o dia, sendo que,
mergulhamos no mesmo abismo.
Tocas-me fundo na alma quando me lisonjeias,
com uma das primeiras palavras que o teu léxico,
recém criado,
debita em sonora dicção,
Avô!
Tão simples, tão pequenina e
tão vibrantemente expressa que me atordoa os ouvidos,
Avô!
Quase em simultâneo com as palavras essenciais
da vida que será tua,
Pai e Mãe!
Mas ouvir o som que emites a plenos pulmões e sem reservas,
Avô!
E sorris ao mesmo tempo, sem mais que dizer ou proferir,
Avô!
Que palavra mágica, saída da boca de um anjo.
Passam por mim assim,
olhos baixos, cavados,
a tristeza expressa no rosto,
e aquelas faces que outrora,
foram coradas, saudáveis,
são agora uma máscara,
de um passado que não está longe,
mas que se teima em projectar,
num futuro assustador.
Para a frente o poente,
que o que ficou atrás,
lá muito longe na caminhada,
foi um nascente de esperanças.
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