Nesse teu vestido negro,
cintado a um corpo que se esforça por sair dessa prisão,
alimentas o sonho de quantos em ti depositam o olhar.
E são curvas, lombas, altos e baixos,
libidinosas na sua escultura erótica,
ambiciosas na procura
de algo que sempre afastarás.
Em cada gota do teu choro,
nova vida se propicia.
Porque em cada uma delas,
propões a renovação,
a criação da vida que nos rodeia.
Em cada gota do teu choro,
sinto o renovar da esperança,
porque vêm repletas da mágoa que sentes,
por cada olhar que deitas sobre a terra.
Chora céu,
Derrama sobre nós as gotas de teu choro,
enche-nos da tua esperança,
cria em nós o acreditar que
haverá futuros promissores.
Privilegiado é como me sinto!
Ainda não passo fome,
mesmo que ao longe distinga os seus contornos,
vou flutuando sobre este mar tempestuoso
onde as ondas me levam ao descaminho
de futuros imprevisíveis.
Não, ainda não passo fome!
Mas vou rareando as ajudas a quem o passa,
não porque não queira ajudar,
mas pelo simples facto de ir atrasando a minha fome.
E, portanto, sou um privilegiado.
Ainda não passo fome!
Dantes havia heróis,
alguns transformaram-se em justiceiros,
e dessa justiça nada ficou para a história que a injustiça.
Os heróis de outrora escondem-se agora
em recheados sofás de espuma do tempo,
gordos e inchados pelos agraciares da turba.
Calados e silenciosos,
aconchegam-se às novelas televisivas,
fecham os olhos aos males que a sua justiça criou
e que outros têm vindo a aumentar,
e de injustiça em injustiça,
caem os heróis de outrora
que agora calam o novo sofrimento.
Traços contínuos ou alternados,
mas infinitamente paralelos,
quererei dizer que nunca se encontram?
Se fossem linhas rectas assim seria,
na escrita as linhas não são muito rectas,
por vezes encurvam-se de forma convexa,
outras vezes de forma côncava,
e seguem apondo letras atrás umas das outras.
E se escrevo de forma autónoma,
sem me apoiar em linhas rectas e paralelas,
contínuo independente,
escrevendo para mim e quem queira ler,
aceitando que me emendem nos meus erros,
que são muitos, mas meus e assumo-os,
escrevendo paralelamente,
e talvez um dia, com coincidência de encontros.
Na venda que me colocam,
não entra claridade,
nada vejo além do que me querem mostrar.
E esta venda,
que deixei me colocassem,
fecha-me os olhos,
mas tapa-me o coração e
tolda-me a razão.
De palavras se faz o mundo,
palavreando,
com elas nos entendemos,
com elas nos desentendemos.
Nestas palavras que se soltam,
calmas e doces,
rápidas e amargas,
vamos palavreando
por este mundo que não nos dá palavra.
Vagueiam sensações dispersas,
neste coração cansado,
a vida que se depara
num relance de olhar,
a saudade dos momentos
que nos viram sorrir,
o desejo do encontro
que não acontece.
O coração, esse, bate e pula
na esperança de que o tempo,
que tudo cura,
nos traga novas do tempo.
Um vazio se impõe
a esta cabeça adormecida,
vejo o tempo passar,
devagar, devagarinho,
olhando à minha volta
numa sensação de nada.
Seco, sem assunto,
nada aparece que valha a pena,
escrever é coisa que neste momento se esgota
num vazio escuro,
não sai nada e não é por não olhar a lua,
tentar descortinar o céu azul,
ou até imaginar o mar esmeralda das Caraíbas.
Sem que eu desse por isso,
esvaziei o interior da cabeça,
penso e nada consigo fazer para alterar esta situação.
É assim, acontece aos melhores,
e eu até nem estou entre eles,
resta-me a noite conselheira
que certamente me iluminará,
por entre a escuridão que me rodeia.
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