Não se apagavam na lonjura dos dias passados,
tudo aquilo que recordava,
os bons e os maus momentos.
Não sabia,
nem conseguia quantificá-los,
tantos dias bons, tantos dias maus,
achava mesmo que os maus estavam já a ganhar aos bons.
Deixara-se ir pelos rios da vida,
levado para longe das suas raízes,
deixou-se ir,
atracando num porto nunca imaginado,
mas era agora o seu porto de abrigo,
por enquanto,
até embarcar na viagem que o levaria a outro estado,
um mundo mais justo e suportável.
Era um ponto no universo,
pensava,
deste universo repleto de pontos e estrelas,
mas ele era só um ponto,
dos mais pequeninos,
daqueles em que ninguém repara e em que,
nunca se dá conta que existem,
um ponto no universo.
Limitava-se a existir,
por enquanto,
sabe Deus quantas vezes desejou ir-se embora,
para o tal universo de que fazia parte como ponto,
quem sabe,
englobar-se nesse mesmo mundo,
tornar-se uma estrela brilhante,
maior que um simples ponto.
Sonhava que fosse possível observá-lo da terra e,
lá do alto, ouvir, todo vaidoso, os comentários,
“que linda estrela”,
“que brilho tão intenso”,
piscava do alto todo inchado.
Uma brilhante e longínqua estrela,
tão longe estaria que nada do que aqui se passasse o atingiria,
era o seu sonho,
vir a ser uma estrela brilhante,
longe da terra que tanto o maltrata.
Tentou adormecer,
rodou na cama, virou-se várias vezes,
não conseguia pregar olho.
Levantou-se, foi até ao escritório,
percorreu a estante repleta de livros,
escolheu um, leitura leve,
pensava que lhe traria o sono,
puro engano, não aparecia,
o desespero acentuava-se.
Chegavam os primeiros fiapos de luz
de uma madrugada que se sentia morna,
com eles veio o torpor da sonolência.
Fechou os olhos e sonhou.
Enrolada no roupão olhou-se ao espelho,
verificou que aquela pequena ruga
que começara a despontar,
mais parecia um pé de avestruz.
Desligou-se da imagem
que só um espelho antipático devolveria
atrevendo-se a mostrar-lhe que a idade,
não se comprazendo com a eternidade,
começava a aparecer-lhe,
exactamente pelas pequenas rugas na face.
Pensou para si, que não, não se ia esconder,
afinal e apesar delas,
quanta beleza poderiam contar.
Nas noites enluaradas,
quando as estrelas a visitavam,
punha-se a mirá-las.
Apreciava os seus contornos,
a luz que emitiam,
o brilho que davam ao céu.
Punha-se a sonhar.
Imaginava vezes sem conta
que aventuras teria,
se as conseguisse alcançar,
ainda que por breves momentos.
Tê-las à mão,
acariciá-las,
aconchegar-se-lhes,
na medida dos seus sonhos.
Olho para lá,
muito para além do universo,
passo as estrelas e os planetas,
acontece-me
sempre que me sinto só,
sempre que estou longe,
olho para além de mim próprio,
deixo de ver o mundo.
De onde estou,
olho para ELE,
sinto no coração o sorriso da bondade
de quem gostaria de tirar os pecados ao mundo.
Sinto-me acompanhado.
Chamaste-me e eu aproximei-me,
sem receios, sem medos,
afinal habituamo-nos.
Escolheste o braço
onde a veia era mais saliente,
espetaste lenta e pausadamente a agulha,
senti-a entrar na pele, perfurar a veia,
dos vários depósitos retirei a única conclusão,
de que afinal o líquido que retiraste,
era vermelho, escuro, grosso, pastoso,
mas vermelho, nunca foi e nunca será azul,
o meu sangue é vermelho e assim continuará.
É tarde, quero dormir,
a noite segue o seu caminho,
procuro segui-la e quero dormir,
mas não consigo.
A mesma noite que me propõe o sono reparador,
retira-me a capacidade de descansar,
levanto-me de tempos a tempos,
para tentar dormir de seguida,
ainda que seja de pé, mas nada.
A noite não é minha amiga,
castiga-me por ser tardio no dormir,
e quando o tento, acorda-me.
É tarde, quero dormir,
olho as estrelas, desenho a lua num céu escurecido,
mas nem elas me ajudam, não consigo,
mas vou tentar de novo.
Vivias na sumptuosa corte,
escolheste o rei coroado,
não te admires, portanto,
se o escravo te esqueceu.
Pela esplanada repleta,
caracoleando ao sol de quase inverno,
cruzam-se conversas,
trocam-se impressões,
põe-se em dia a conversa,
que os dias de chuva atrasam.
Conversas cruzadas
enchem-nos os ouvidos,
esvaziam-nos o cérebro,
do seu conteúdo nada nos fica
no olhar ausente que as ignora.
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