Um dia vogarei pelos céus,
por entre as alvas nuvens que nos separam,
deitarei um olho cá para baixo,
vou procurar-vos com a vista,
estejam onde estiverem hei de encontrá-las.
Porque mudarei de dimensão
mas não mudarei de amor por vós,
serão sempre princesas a meus olhos,
por eles sempre assim as verei,
mesmo que os feche de vez,
nesta retina cansada ficarão gravadas
para memória futura, como se diz,
mas na minha memória de certeza.
É um desfile a que se assiste,
glamour e vaidades mundanas,
cercam os oásis da miséria galopante
que longe dos palcos perfumados
se recolhe em caixas de cartão.
Espalhados pela noite,
semi-abrigados por telhados sonhados,
por baixo dos farrapos de cobertores recusados,
olham as estrelas,
espreitam a lua.
Na passerelle não os sonham,
mas sonham também
com outras estrelas,
e sem verem a lua
ignoram a terra que os cerca.
Quando hoje te olhei
senti o tempo que passa por mim,
passou para ti também, mas ainda és bonita,
e como no primeiro dia que em ti depositei meus olhos,
senti aquele arrepio que nos percorre a espinha,
tinhas na face o tempo marcado
em traços e sulcos que a vida foi esculpindo,
mas estavas linda mesmo assim.
Não deixei de apreciar o teu rosto,
as expressões que fazes quando falas,
os teus lábios menos carnudos,
o cantinho da boca num ritual de sedução,
mas o teu sorriso que me encantava
estava igual ao que sempre conheci.
Estavas linda,
apesar do tempo, apesar da vida.
Aventurei-me, fui por aí fora,
para além da atmosfera, ultrapassei-a,
e onde outros têm de ir em naves especiais,
vestidos com fatos apropriados,
eu fui, só com a minha roupinha habitual,
nada de fatos pressurizados nem naves espaciais.
Bastou-me levantar os braços,
assim como o super-homem.
Elevei-me nos ares,
ganhei velocidade e num repente,
volteava sobre oceanos e continentes a uma altura,
tão distante, que tudo me parecia feito a uma escala menor.
Era ver-me alucinado,
olhos esbugalhados e abertos ao mundo,
abertos ao mundo na verdadeira acepção da palavra,
porque o mundo estava ali a meus pés,
debaixo do meu olhar.
Dava voltas no ar, fazia o pino e,
até me deitava-me de costas com as mãos sob a cabeça,
incrível o que a ausência de gravidade permitia,
era um autêntico super qualquer coisa.
Foi quando acordei do meu sonho,
mas não deixei de nele pensar.
Reflecti no que o sonho me mostrou e vi,
vi outras coisas,
descobri que podia descortinar os países,
cujo desenvolvimento fosse maior que outros e vi,
com tristeza minha que muitos se mantinham no escuro da noite,
enquanto outros,
luminosos e brilhantes a acendiam, ainda assim,
inexoravelmente caminham para uma nova escuridão,
a humana,
aquela em que o valor das pessoas,
nada significa face ao valor do dinheiro,
uma abjecta civilização que mais tarde ou mais cedo,
criará das maiores escuridões da história,
que já conhecemos e por que passámos,
mesmo assim, o homem moderno, o sem memória,
não aprende com os erros passados e neles cairá de novo.
Passeio entre as ervas altas
regadas pela bênção de uma chuva
que de tão mansinha,
as enche de vida,
e piso-as para logo se erguerem de novo,
a força da natureza,
penso com meus botões.
Enquanto o cão rodopia saltitante por entre elas,
satisfeito e feliz,
com os cheiros que da terra exalam
o chamariz da vida e lhe atraem o olfacto.
Passeio o olhar em volta,
verde sarapintado de amarelos, roxos e outras
cores criadas por um Deus que da vida
fez ciência para o homem aprimorar,
não para destruir a vida que da terra sai.
Se fosse hoje,
não sei, não sei se seria diferente,
mas de que adianta agora
sonhar que poderia ser diferente
se fosse hoje?
Provavelmente nada mudaria,
ainda que eu pense que sim,
se fosse hoje.
É que a vida tem os seus ritmos,
ciclos que se completam,
e mesmo depois
de tanto sabermos e vivermos,
nada nos diz que seria diferente,
se fosse hoje.
Quando chego ao meu limite
e te digo que não posso mais,
estou cansado,
tu segredas-me baixinho
ao ouvido,
e dizes-me com incentivo,
podes sim,
vem que eu levo-te comigo.
Caminho na tua vereda
mais do que os limites me garantem,
até ao encontro final,
até ao paraíso terreno.
Se descobrimos que apesar do tempo passado
tudo não passa de um engano,
e se, mesmo assim, persistimos no que
comprovadamente se mostra errado,
então não é só engano, deixa de ser um erro,
passa a ser obstinação nossa.
Não, não podemos assim ser,
para obstar a tal dificuldade,
para derrubar muros e barreiras,
que existem no nosso subconsciente,
há que abrir o bloqueio,
despertar os sentidos e ouvir.
Ouvir o que o coração tem a dizer,
sobre a espinhosa existência que
nos leva ao erro, ao engano à infelicidade.
Ouço o som que sai do rádio à minha frente
e repete-se o refrão,
continuamente,
“Não, não sou o único, não sou o único a olhar o céu”.
Instintivamente olho o céu e nem sei porquê,
mas a música e o refrão atraem-me,
perco-me na imensidão de um céu azul
salpicado por nuvens e repleto de luminosidade
que me mostra a eternidade escrita no seu azul,
repleta de significados que tardamos em alcançar.
A eternidade que nos espera,
após a breve passagem terrena.
Cai-te a água sobre o corpo,
pingas soltas contra as paredes,
escorrega-te em sulcos,
por onde meus olhos caminham
debaixo de visões libidinosas e
de desejos incontidos.
Não desvio e ainda me atrevo a aumentar a apreciação,
e nesse corpo que amo
deixo sem receios ou reservas
os meus sonhos e anseios.
Procuro-te no prazer de cada encontro,
procuro-te no prazer que só em ti e contigo encontro,
procuro-te,
porque te quero e não te troco,
nem te deixo trocares-me,
porque sou egoísta e por isso,
por muito mais que isso te digo,
que adoro os teus sulcos repletos do líquido,
que formará os rios do prazer,
por onde corremos livremente
sobre a água solta que te cobre.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.