Ali estava, num lugar especial,
sentado de frente para o mar,
na varanda de sua casa,
sua, porque a construiu ele,
com restos de outras casas,
com bocados de outras vidas,
mas esta era a sua e virada para o mar.
Acordava com o sol a entrar-lhe pela janela,
deitava-se com a luz que o luar,
sempre prazenteiro e sem receber nada em troca,
lhe depositava no que ele chamava os seus aposentos.
Não fora aquela inclinação agreste,
aquela estreita faixa de terra tão mal escorada,
que de varanda lhe servia
e seria perfeita,
mesmo sem água corrente,
mesmo sem electricidade,
ainda assim era a sua casa.
E um dia chegaram uns senhores,
que não podia ser, que era impróprio,
ter uma casa na encosta,
virada ao mar e com uma vista destas,
nem sequer estava legalizada,
não pagava impostos nem água, nem luz.
Foi despejado, arrasada a casa.
No seu lugar, já com outras mordomias,
nasceu um condomínio privado,
onde pagavam tudo o que se exigia
nas sociedades modernas e bem-comportadas,
e ele trabalhou na sua construção.
Mesmo ali, onde era a sua casa,
virada ao mar, sem luz, sem água.
Ao fim do dia regressava à nova casa,
no vão de um viaduto,
por onde passavam diariamente,
todos os que iriam viver no nove condomínio.
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